quarta-feira, 30 de abril de 2014

Em Curitiba, a Vigilância Sanitária pune. Mas será que respeita a legislação? Ou: Por que a prefeitura multa alguns e fecha os olhos para outros?

No último dia 26, uma reportagem da Gazeta do Povo estampava a seguinte manchete: "A cada dia útil, falta de higiene pune um restaurante em Curitiba". A matéria é assinada por três autores e "foi produzida como parte de atividade acadêmica do curso de Jornalismo da Universidade Positivo, sob a coordenação da professora Rosiane Correia de Freitas", segundo explica o jornal. Ilustrando a reportagem, uma foto do  Brooklyn Coffee Shop da Trajano Reis, que, particularmente, frequento com certa assiduidade e onde conheço parte dos competentes profissionais do estabelecimento. Não há nada de essencialmente errado com a reportagem, mas a publicação merece algumas considerações:

1) Do ponto de vista jornalístico:
Teto caindo no Distrito Matriz
A edição costuma ser cruel com o material apresentado pelo repórter. Não raro, o editor escolhe manchetes impactantes, com o intuito de, literalmente, vender o material (no caso do jornalismo televisivo, é exatamente esse o termo empregado ao se oferecer reportagens para a rede nacional) e despertar o interesse do leitor. E é muito comum, também, nesses casos, ocorrerem injustiças. Exemplo: de todos os restaurantes citados na matéria, o Brooklyn está em último lugar nas notificações, recebeu quatro em dois anos. Mas é sua foto que estampa a reportagem, dando a entender, numa primeira olhada, que se trata do pior deles. Pouco importa se a legenda da foto diz que, lá, tudo foi resolvido: a manchete garrafal fala mais alto e, ao se compartilhar a informação nas redes sociais, a legenda não acompanha a foto.

O Corpo de Bombeiros autorizou o funcionamento?
 Ainda do ponto de vista jornalístico, talvez tenha faltado verificar a própria situação da Vigilância Sanitária de Curitiba. Essas são fotos do Distrito Matriz, localizado no centro da cidade e responsável por boa parte dessas notificações. Claro que, na sede da Vigilância, não se preparam alimentos. Mas não é, no mínimo, contraditório um ambiente com aspecto tão desleixado  - e perigoso - cobrar atitudes diferentes da iniciativa privada? O exemplo não teria que vir de cima?

2) Do ponto de vista do poder público:

A reportagem diz que os dados foram obtidos com base na lei de acesso à
Aqui se fiscaliza, mas não se faz
informação. Diz, ainda, que os dados são incompletos. Mas nem precisaria. A reportagem só revela quantos e quantas vezes os estabelecimentos citados foram notificados. Mas o principal dado não é esse e sim quantos foram visitados pelos fiscais. Afinal, um estabelecimento visitado mais vezes tem, óbvio, mais chances de ter irregularidades detectadas, até porque, muitas vezes, elas são mínimas. Vamos supor, para usar o mesmo exemplo, que o Brookyn tenha sido  visitado 30 vezes em dois anos, o que resultou nas quatro notificações. Mas, e o restaurante Y, que foi visitado apenas cinco vezes? E o X, que ainda nem recebeu visita de fiscais? Eles estariam em melhores condições ou, aplicando-se o mesmo rigor, os resultados seriam outros?


Vale lembrar ainda que muitos empresários do setor reclamam de excesso de rigor com seus estabelecimentos e condescendência com outros, chegando a levantar suspeitas sobre uma suposta proteção que certos restaurantes teriam - mais um motivo para a Vigilância revelar quem tem visitado. Não se trata do meu caso: o meu bar recebeu duas vezes os fiscais, que foram compreensivos e deram o prazo solicitado para as adequações, sem notificações.


Prefeitura não responde sobre painéis na calçada
Mas há atitudes do poder público municipal que levantam, sim, suspeitas de "proteção". Exemplo: há mais de três meses solicitei à prefeitura, por meio da assessoria de comunicação, informações sobre a regularidade de painéis de propaganda instalados na calçada da Via Vêneto e da avenida Manoel Ribas. São de responsabilidade da Associação Comercial e Industrial de Santa Felicidade e isso talvez justifique o silêncio da prefeitura, inclusive com o misterioso sumiço de meu questionamento na página oficial do município no Facebook. Em compensação, eu recebi uma notificação porque tinha um único painel em frente ao meu bar, posicionado embaixo de uma árvore, portanto, sem prejudicar em nada o fluxo de pedestres. Dois pesos, duas medidas?

Fica, então, a dica aos autores, os jovens estudantes de jornalismo: os dados, como foram apresentados, prejudicam a compreensão da matéria e podem ser injustos com uns e complacentes com outros. Saber quem e quantas vezes recebeu a visita dos fiscais é fundamental para que a matéria publicada seja mais correta e respeitosa aos preceitos do bom jornalismo.

Quanto à Vigilância, fica o apelo aos fiscais: que eles se lembrem de onde trabalham na hora da fiscalização. Tenham bom senso e saibam que, se o poder público tem dificuldades para aplicar em casa as regras que exige no mercado, mesmo com a montanha de impostos e taxas que cobra, o empresário tem dificuldades ainda maiores nesse país burocrático ao extremo e tolhedor da atividade econômica.

(*) Atualizada às 17h37

Hoje a Gazeta publicou uma errata sobre a reportagem:

"Restaurantes de Curitiba receberam notificações da Vigilância Sanitária
Diferentemente do que foi informado na reportagem “A cada dia útil, falta de higiene pune um restaurante em Curitiba”, publicada na edição da Gazeta do Povo do dia 26 de abril, os estabelecimentos McDonalds do Cabral e Brooklyn Coffee Shop não sofreram quatro processos administrativos da Vigilância Sanitária de Curitiba, e sim receberam quatro notificações. Um único processo pode conter mais de uma notificação.
No caso do Brooklyn Coffee Shop, o único processo aberto contra o estabelecimento aconteceu em 2012 e não resultou em punição."

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