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Cassação da chapa: solução ou um novo problema? (Foto: Roberto Stuckert Filho/PR) |
A solução apontada por muitos aliados para uma saída honrosa de
Michel Temer do governo pode levar a uma situação ainda mais
delicada. Diante da recusa de Temer em renunciar e da pouca
probabilidade de um impeachment, as atenções se voltaram para o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, a partir do dia 6 de junho,
começa a julgar a chapa Dilma/Temer, em ação proposta pelo PSDB.
A saída de Temer por essa via é vista por muitos como a menos
traumática. Não haveria um grande embate no Congresso e acalmaria
os ânimos de governistas e oposicionistas.
O problema é que, nesse caso, em tese, teria que ser aplicado o parágrafo
4° do artigo 224 do Código Eleitoral, atualizado em 2015, na Minirreforma Eleitoral, pela lei 13.165, que diz:
Art. 224
(...)
§ 3o A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento
do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de
candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito
em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do
número de votos anulados. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
§ 4° A eleição a que se refere o § 3° correrá a expensas da
Justiça Eleitoral e será: (Incluído pela Lei nº 13.165, de
2015)
I - indireta, se a vacância do cargo ocorrer a
menos de seis meses do final do mandato; (Incluído pela Lei nº
13.165, de 2015)
II - direta, nos demais casos. (Incluído
pela Lei nº 13.165, de 2015)
Ou seja: se o cargo ficar vago faltando mais de seis meses para o
fim do mandato, o Código, atualizado pela lei 13.165/2015, determina eleições diretas.
Nesse caso, não haveria nenhum conflito com o artigo 81 da
Constituição, que diz:
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da
República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a
última vaga.
§ 1º Ocorrendo a vacância nos últimos
dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos
será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso
Nacional, na forma da lei.
§ 2º Em qualquer dos casos, os eleitos
deverão completar o período de seus antecessores.
Ou seja: a vacância só ocorre se o mandato for considerado
legal. Porém, se a chapa for cassada, é como se a eleição não
tivesse ocorrido, portanto, não se trataria de vacância e sim de um
mandato inexistente.
Um jurista ouvido pelo blog diz, sobre o artigo 224:
“Convive em perfeita harmonia com o Art. 81 da Constituição,
sem nenhuma incompatibilidade. E isso pelo fato de que o Art. 81 fala
que ocorrendo ‘vacância’ no último biênio se faz eleição
indireta. Ocorre que o termo ‘vacância’ pressupõe que a
investidura no cargo foi válida, o que não ocorre quando a justiça
eleitoral reconhece que a eleição foi fraudada. Nesta hipótese, a
cassação eleitoral retroage à data da eleição (como se o cassado
nunca tivesse sido eleito). Portanto, não seria ‘vacância’,
pois na realidade aquele cargo nunca foi ocupado de forma válida.
Vacância só existe em caso de renúncia, morte ou impeachment do
presidente e do vice-presidente”.
Ou seja, por essa visão, aos olhos da lei, se Temer renunciar ou for cassado pelo
Congresso, valeria o artigo 81 da Constituição, com eleição
indireta. Se a chapa for cassada pelo TSE, valeria o artigo 224 do
Código Eleitoral, com eleição direta.
Essa tese já havia sido defendida por Glauco Salomão Leite (doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco e membro do grupo Recife de Estudos Constitucionais) no
site Conjur em janeiro, portanto, muito antes de haver a
possibilidade de queda do governo por outros meios que não a ação
no TSE.
“(…) existe um entendimento consolidado na jurisprudência
eleitoral segundo o qual a perda de mandato oriunda de eleições
ilegítimas é situação distinta daquela prevista na CF referente à
dupla vacância”, diz um trecho do artigo, também defendendo que
não existe conflito entre as duas situações.
Ele relembra ainda o caso da cassação dos governadores e vices do Ceará, Cássio Cunha Lima e José Lacerda Neto, e do Maranhão, Jackson Lago e Luís Carlos Porto, substituídos pelos segundos colocados. "Esses dois casos são suficientes para se perceber que existe um
entendimento consolidado na jurisprudência eleitoral segundo o qual a
perda de mandato oriunda de eleições ilegítimas é situação distinta
daquela prevista na CF referente à dupla vacância", diz o artigo.
O tema, de qualquer forma, está longe de ser unânime.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade questionando a legalidade dos §§ 3º e 4º, do artigo 224, na redação
conferida pela Minirreforma Eleitoral, por contrariarem, na avaliação dele, o artigo 81, da
Constituição.
O próprio TSE tem decisões contraditórias sobre o assunto, conforme pode-se observar
neste link.
Um outro
jurista ouvido pelo blog diz: “Em caso de conflito sempre prevalece
a Constituição. Eleição indireta em 30 dias”.