sexta-feira, 12 de abril de 2019

Documentário goiano que revela tortura de índios na Ditadura representará o Brasil em festival internacional no Egito

Krenak: proibidos de falar na própria língua pelos militares (Divulgação)
O documentário Resplendor, dirigido pelos diretores goianos Claudia Nunes e Erico Rassi, representará o Brasil no 21˚ Festival Internacional de Documentários e Curtas de Ismailia (Egito), onde será exibido no dia 14 de abril com a presença de Claudia Nunes.

O filme conta a história do Reformatório Krenak, o presídio indígena da ditadura militar, cuja existência veio à tona durante as investigações feitas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), instalada em 2011, para apurar crimes e violações de direitos humanos cometidos durante os governos militares. Um requerimento da Comissão Justiça e Paz (SP), Grupo Tortura Nunca Mais (SP) e Associação Juristas pela Democracia motivou a criação do Grupo de Trabalho Indígena.

O centro de detenção foi construído dentro do território indígena Krenak, na região de Resplendor (MG) e posteriormente, transferido para a Fazenda Guarani em Carmésia (MG), onde funcionava um quartel da polícia militar mineira.

De 1967 a 1972, foram encarcerados, no mínimo, 86 índios de 19 etnias, de 11 estados brasileiros diferentes, no Reformatório Krenak. Após esse período, tanto os presos como todo o povo Krenak foram transferidos para a Fazenda Guarani, em Carmésia (MG), que recebeu cerca de 76 novos presos indígenas de todo o país para confinamento por mais oito anos. Esses são os números confirmados pela existência de documentos oficiais como as fichas do Reformatório, mas acredita-se serem muito maiores.

“Era um critério totalmente subjetivo. O que dava margem a todo tipo de autoritarismo, decisão arbitrária, errada, equivocada. Aquilo que era compreendido como uma rebeldia poderia conter na verdade uma reivindicação política de uma ampliação de uma terra, por exemplo. Bastava rotular ele como um arruaceiro ou um bêbado, pronto, funcionava como uma espada na cabeça dos índios, porque todos eles eram ameaçados da transferência se continuassem reivindicando. Se você continuar fazendo, você vai parar no Krenak. Isso pairava no ar”, conta o jornalista Rubens Valente.

O documentário construiu sua narrativa a partir do relato do ex-preso e sobrevivente Krenak, Burum Rimem, conhecido como João Bugre, e um rico material de pesquisa que incluiu o livro “Os Fuzis e as Flechas”, do jornalista investigativo Rubens Valente; teses de mestrado e doutorado, “Os Índios e a Caserna” – do indigenista e cientista político Egon Heck e “Sobre os Viventes do Rio Doce e da Fazenda Guarani – Dois Presídios Federais para Índios durante a Ditadura Militar” – do cientista social Antonio Jonas Dias Filho; e o Parecer Técnico Psicológico sobre os efeitos dos impactos psicossociais da violência política sofrida pelo Povo Krenak, elaborado pelo psicólogo Bruno Simões Gonçalves.

O cientista social Antonio Jonas Dias Filho considera o Reformatório Krenak como um “Auschwitz brasileiro, porque você prende, tortura, mata, desaparece”. Entre as várias violações de direitos humanos, o indigenista Egon Heck, cita o tronco, que era bastante comum. “Junto da cadeia, tinha o tronco. O tronco era um pau fincado no pátio da aldeia, onde eram amarrados aqueles que tinham cometido determinados atos que desgostavam a estrutura de poder instituída pelo SPI, pela Funai ou pela própria comunidade”, diz ele.

A proibição de falar em sua própria língua e praticar seus rituais ancestrais deixou marcas psicológicas no povo Krenak. “É um prejuízo radical, vão sobrando fragmentos que as pessoas mais velhas vão mantendo, vão resistindo, vão falando. Apesar da violência que estão sofrendo, vão falando escondido, vão mostrando. Os falantes da língua antes do Reformatório foi caindo vertiginosamente a ponto de quase não ter mais falantes, sobrarem alguns mais velhos que aos poucos vão recuperando”, relata o psicólogo Bruno Simões.

O filme apresenta imagens raras da época dos acervos do Arquivo Nacional e do Museu do Índio como a cena da visita do presidente Costa e Silva na Ilha do Bananal em que ele oferece uma espingarda ao cacique Karajá e o ensina a manejá-la; a histórica declaração à TV portuguesa do ministro do Interior do governo Médici, Costa Cavancanti, negando a prática de genocídio indígena no país, que vinha sendo denunciado internacionalmente; e propagandas institucionais dos governos militares para angariar a simpatia da população aos projetos do Milagre Econômico, entre outras.

Uma das únicas imagens fotográficas que registra presos do Reformatório Krenak durante o período de trabalhos forçados, sendo vigiados por soldados, foi encontrada no arquivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e compõe o amplo acervo histórico apresentado pelo filme.

O documentário Resplendor foi produzido pela Vietnam Fimes com recursos do Edital de Produção de Conteúdo para TVs Públicas da Ancine, financiado pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) / Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) e distribuído pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

(*) Com informações da assessoria

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