quarta-feira, 4 de julho de 2007

De coisa do capeta a meio de vida

Catálogo de Erros
A tevê chegou tarde em casa. Na tradicionalíssima igreja que freqüentávamos, televisão era coisa do capeta. Como ele previra lá nos confins da queda do céu o diabólico aparelho que só apareceria milênios depois, é mistério que nunca vou desvendar. Talvez ele seja mais competente do que se diz. Talvez não tenha nada a ver com isso.
Então, pra tentar acompanhar a molecada, “marmelada de banana, bananada de goiaba”, o jeito era apelar pra vizinha. Naquela época em que a tevê não era 24 horas, até o chuviscado do fora do ar no início da manhã servia. E o olhar fixo pro preto e branco sem fim esperando a Xuxa do momento aparecer.
O problema é que havia um grande perigo: rezava (digo, orava) a lenda urbana que, ao desobedecer os pais e assistir à tevê, a garotinha teimosa, após um breve fora do ar, viu o próprio demo, em carne e osso, digo, em imagem reconstruída pela tecnologia, aparecer na tela. Por isso, os instantes que separavam o fim do chiado sem imagem da primeira cena do dia, fosse Dona Benta, fossem os Chips, era sempre de suspense e quase terror.
A caixinha amarela que guardava, pequenininhas, as imagens em preto e branco que primeiro invadiram o abençoado lar que habitávamos era emprestada. E é de lá que trago um dos maiores mistérios da televisão brasileira: havia um desenho de um cachorro, o Vira-Lata, que virava super-herói após tomar uma milagrosa pílula ou isso é coisa de outra caixinha mirabolante, mais imaginativa e onde cabem menos imagens que sempre se perdem?
A velha Sanyo, em gabinete de madeira, colorida, chegou de outra cidade com muita expectativa em véspera de Fórmula 1. Queimou ao primeiro giro do on-off e, por ser sábado, adiou o primeiro grande prêmio. A substituta dura até hoje. Quase sem cor, quase sem definição, por isso mesmo muito parecida com a vida de quem a assiste.
Há um salto muito grande entre lá e aqui. A legenda explica: “anos depois...” A edição corta, emenda e dá outro sentido à realidade. Há uma história longa desde a opção pelo jornalismo, as mudanças de cidade, os primeiros sinais do satélite chegando à terra natal. E o que era pra ser o próprio diabo em minúsculos quadros reconstruídos na tela configurou-se em outro ser. Que agora desmancha-se aos poucos.
PS: Publicado originalmente no Mimeographo, em 17/7/05

Um comentário:

Anônimo disse...

Você não vai atualizar mais isso aqui não, ou? Será que está trabalhando muito? Nhã!