terça-feira, 13 de setembro de 2016

Temer, jamais


Em frente ao Comitê Olímpico da Lapa, dezenas ou centenas de medalhas jogadas no chão. Acomodadas por categoria nas saliências da calçada esburacada, estavam ali, sem que ninguém se importasse, marcando o protesto silencioso dos paratletas contra o golpe no Brasil, soube. Peguei uma de cada de recordação e elas realmente faziam barulho, para que os atletas cegos pudessem identificá-las, novidade brasileira.

No caminho pra não sei onde, alguém que já não me lembro mais - era minha avó ou minha prima? -, insistiu em ficar com uma. Expliquei onde havia muitas delas - as Paralimpíadas distribuem mais medalhas porque cada modalidade tem várias classificações de atletas -, mas tive que me desfazer de uma de bronze, a única diferente, parece que feita de casca de coco.

Na confusão daquele dia, carregava comigo também dezenas de CDs que comprei às cegas de um vendedor qualquer em dois grandes sacos de lixo preto. Não sabia nem o estilo das músicas, era mais pelo preço mesmo, e aquilo era pesado pra caramba.

Numa esquina qualquer - e fico imaginando que lugar era aquele -, paro pra conversar com alguém e um dos sacos, aberto, escorrega entre os vãos da escadaria vazada. Quando tento recolocar os CDs no saco - estava com pressa pra chegar em casa -, sou ajudado por minha mãe e meu pai.

Tinha sido um dia agitado demais. Muitos protestos na cidade contra o golpe de estado. Tive um trabalho danado pra fugir da polícia. Acabei ajudado por um oficial, que me explicou por qual rua deveria seguir pra fugir do batalhão ensandecido de soldados, dispostos a descer o cacete em quem insistisse em permanecer nas ruas protestando.

Momentos antes, discuti com um desses. Fingi não saber que eram proibidas manifestações democráticas enquanto ouvia ele dizer no rádio “sim, eles serão retirados, sim”. Haveria algo a temer?

Subi uma ladeira íngreme, irritado comigo mesmo por não ter anotado o nome do policial raivoso. Queria colocar na matéria que escrevia para o principal jornal da cidade. Eu queria ter anotado alguma outra coisa pra lembrar depois, mas só tinha o bloco de notas do celular. Tinha permanecido na cobertura dos protestos o dia todo, mas eles não pagavam hora extra, e as doze horas de trabalho diário ainda não tinham sido aprovadas pelo governo golpista. Decidi não trabalhar de graça e não fazer aquela parte da matéria.

Lá de cima, eu via a rua, de um lado, repleta de manifestantes acuados. Do outro, os policiais. De repente, alguma ordem determinou a retirada da polícia. No mesmo momento, os manifestantes começaram a reocupar seus postos. Os policiais recuaram do recuo e partiram pra cima.

A coisa ficou feia. Descobri que um golpe de cassetete dói mesmo. Fugindo, entrei numa galeria onde havia um pequeno bar que já tinha visto outras vezes. Pensei em entrar pra telefonar - a bateria do meu celular estava com pouquíssima carga, reservada pra alguma foto importante -, mas um aviso na porta me desencorajou: só entre se for consumir. Não havia uma viva alma lá dentro, talvez nem mesmo o dono.

Segui pela galeria, igualmente deserta, mas a outra ponta estava fechada. Encontrei alguns conhecidos. Estávamos perplexos com a violência policial. Comentei que o jornal perdera uma bela matéria, porque só iria escrever o que tinha visto até o momento em que venceu meu horário de trabalho. Voltei por onde vim. Uma dúvida me incomodava: por que a Lapa tinha um comitê paralímpico só dela?

Precisava ir pra casa escrever a tal matéria, já estava quase na hora do fechamento. Mas aí o Théo chorou no berço, eu, avisado pela babá eletrônica, acordei, e tive mesmo que levantar.

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