terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Carnaval

É início de noite e um improvável vento frio de verão me pega de surpresa. Desço a rua apressado pra casa, um pouco pelo frio, um pouco por medo, um pouco por nada.

É sempre assim nos dias em que não há o que fazer: desespero. É o tempo vindo, chegando, passando. Acreditar em qualquer coisa não é mais tão fácil como há dez anos.

Chego em casa, lá fora pessoas brincam, ouço ruídos de alegria temporã. O que eles comemoram? Protejo-me do frio, mas não das horas que passam. Medo. Não há nada a fazer, nada. É a "ressaca do tempo", como disse o repórter das coisas.

Escolho uma roupa de inverno e saio para a noite improvável. É impossível ficar aqui, não há nada a fazer.

É uma multidão, é música que dói na cabeça, mas ninguém parece ligar. O universo paralelo, ah!, o universo paralelo, sim, começo a entender, mas tudo continua estranho...

Estou na avenida que leva a lugar algum e encontrei o caminho. Observam-me, sabem que estou perdido, indo pra lugar algum. E riem e cantam e gritam. Eles me odeiam, sei que me odeiam, riem de mim. Mas estou na rua certa, na minha cidade, qual é mesmo a cidade?

O frio da madrugada agora... frio de verão, como pode o frio de verão ser tão cortante? Minha roupa me protege do vento gelado e da garoa fina.

Entro no bar escuro, aquele de sempre, na rua de lugar algum. E ela está lá e ela nunca sente frio. E ela me olha, mas não ri. Não diz nada e, no entanto, entendo tudo. Ela me explica que está frio lá fora, que sempre faz frio na madrugada impossível e que no bar escuro é difícil respirar.

Eu beijo a garota no bar de sempre, aquele na rua de lugar algum e ela não diz nada, ela me olha de olhos vermelhos e ela chora. Há fumaça de cigarro, há cheiro de bebida e há os olhos vermelhos e molhados dela no bar. Lá fora as pessoas ainda riem, cantam e gritam.

Eu não posso mais e eu a deixo e ela não diz nada, ela chora, ela tem os olhos vermelhos e molhados no bar escuro de sempre. Estou na rua que leva a lugar algum, mas volto pra casa. A garota inexistente me ensinou que o tempo para na noite de carnaval. (Goiânia, 04/03/03)


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