quarta-feira, 9 de junho de 2021

Brasil de Bolsonaro recusa US$ 100 milhões para melhorar o clima

Para Augusto Gomes, governo erra ao não ratificar acordo (F: Divulgação)
Dos 144 países em desenvolvimento, só dois ainda não manifestaram à Organização das Nações Unidas (ONU) interesse em receber verbas a fundo perdido para elaborar projetos de redução do uso de hidrofluorcarbonetos (HFCs), os piores para o aquecimento global. Um deles é o Iêmen, mergulhado em guerra civil. O outro é o Brasil. "Todos os demais 142 nessa condição ratificaram ou enviaram carta compromisso de que vão ratificar a Emenda de Kigali, que prevê a redução do uso desses gases", explica Suely Machado Carvalho, ex-diretora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em Nova Iorque e atual consultora do Instituto Clima e Sociedade (ICS).

Os HFCs, usados principalmente em ar-condicionado, têm poder de aquecimento global 2 mil vezes superior ao do dióxido de carbono, principal gás de efeito estufa. No Brasil, o projeto da ratificação chegou à Câmara dos Deputados há exatamente três anos, em 5 de junho (Dia Mundial do Meio Ambiente) de 2018. Já passou pelas comissões, mas está há quase dois anos parada na Presidência da Casa esperando para entrar em pauta de votação.

O Grupo Tarefa sobre a Reposição dos Recursos Financeiros do Fundo Multilateral (Replenishment Task Force) do Painel de Tecnologia e Economia do Protocolo de Montreal (Teap) vai concluir, até setembro de 2021, os cálculos de quanto os países em desenvolvimento precisam receber até 2023, a fundo perdido, para que sua indústria possa iniciar os projetos. O objetivo dos projetos deve ser produzir aparelhos eficientes em energia e com gases menos prejudiciais ao efeito estufa. Para fazer parte dos cálculos, o Brasil precisa se unir à lista dos países comprometidos com a redução dos HFCs.
Na América Latina, 15 países já ratificaram a Emenda de Kigali: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai. Quatro ainda não: Brasil, Venezuela, El Salvador e Guatemala. Mas o governo brasileiro é o único do grupo que, além de não ratificar, sequer mandou sua carta-compromisso ao Fundo Multilateral do Protocolo de Montreal.

Essa ausência de manifestação pode prejudicar o acesso do Brasil aos recursos do fundo. Isso porque, para calcular o valor que será repassado a cada país em desenvolvimento para a atualização tecnológica de fábricas de geladeira e ar condicionado e treinamento de técnicos em refrigeração, o Fundo Multilateral do Protocolo de Montreal precisa saber quais países estão dispostos a integrar esse esforço contra o aquecimento global. Estimativas indicam que a indústria brasileira teria acesso a mais de meio bilhão de reais (US$ 100 milhões) com a ratificação.

"Para se ter uma ideia do tamanho do estrago, os HFCs importados pelo Brasil em 2019 podem impactar o clima cinco vezes mais do que o desmatamento do Pantanal no mesmo período. Ainda assim, um crescimento exponencial no consumo desses gases é esperado caso não haja a ratificação de Kigali", diz Rodolfo Gomes, diretor-executivo do International Energy Initiative (IEI-Brasil), autor do estudo comparativo. O levantamento considerou as emissões de gases de efeito estufa no Brasil e o volume dos principais gases refrigerantes à base de HFCs importados pelo país em 2019.

O envio de uma carta de manifestação de interesse à ONU, assumindo o compromisso do país com o tema, seria uma forma de o Brasil se antecipar à ratificação, garantindo recursos iniciais para capacitação. Mas sua participação nesse fundo bilionário só acontecerá quando for ratificada a Emenda de Kigali. Nessa fila para receber os recursos iniciais em 2021 da ONU só faltam Brasil e Iêmen.

Estar na companhia apenas do Iêmen em uma questão tão relevante para reduzir o ritmo do aquecimento global é inusitado para a diplomacia brasileira. O Brasil esteve entre os protagonistas mundiais na proteção ao clima desde a Conferência Mundial do Meio Ambiente no Rio de Janeiro, em 1992. Quando as nações decidiram extinguir o uso de gases CFCs, que danificam a camada de ozônio, o Brasil chegou a cumprir sua meta em 2007, três anos antes do previsto.

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