Por trás da tarifa de 50% anunciada por Donald Trump sobre produtos brasileiros, há muito mais do que uma decisão econômica isolada. O gesto é parte de um jogo político internacional que envolve a tentativa de intimidar o Brasil, minar o BRICS e pressionar o Judiciário brasileiro em favor de Jair Bolsonaro (PL). Trata-se de um movimento que, além de perigoso, escancara o alinhamento de interesses entre a extrema direita dos Estados Unidos e a ala mais radical do bolsonarismo.(Reprodução TV Globo)
No centro da estratégia está a instrumentalização da política externa para fins pessoais: um presidente norte-americano usando tarifas comerciais como ferramenta de chantagem para defender um aliado político acusado de tentar derrubar a democracia brasileira. A justificativa de Trump para o tarifaço não é econômica, mas política: protestar contra o que ele chama de “perseguição” a Bolsonaro, que está prestes a ser condenado por tentativa de golpe de Estado. É a chamada “solidariedade autoritária”, onde líderes de extrema direita se apoiam mutuamente, ainda que à custa das instituições de seus próprios países.
Segundo o advogado eleitoral, Wallyson Soares, esse tipo de movimentação externa pode ser configurado como interferência internacional nos assuntos internos do Brasil: “Quando um país se utiliza de forma direta ou oblíqua para atingir outro país, como no caso do Trump tentando interferir na Justiça brasileira, isso pode ser considerado violação a tratados internacionais, como a própria Carta das Nações Unidas”, explica. Ele lembra que o Artigo 2º da Carta da ONU determina que os Estados-membros devem respeitar a soberania e resolver controvérsias por meios pacíficos, sem ameaças ou uso de força.
A hostilidade de Trump também mira o BRICS, grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e, mais recentemente, outros países emergentes. Desde sua formação, o bloco tem sido visto como uma alternativa de poder geopolítico ao Ocidente. O Brasil, sob Lula, vem defendendo a desdolarização das trocas internacionais e a criação de um banco de desenvolvimento alternativo ao FMI. A tarifa pode ser lida como uma retaliação direta ao avanço dessa agenda.
Ao pressionar o Brasil economicamente, Trump tenta desestabilizar um dos pilares políticos do BRICS e colocar o país de volta na órbita dos interesses norte-americanos. Não é à toa que o gesto foi feito justamente no momento em que o governo Lula tenta costurar alianças estratégicas com a China e fortalecer o papel do Brasil como liderança no Sul Global.
Mas há um elemento ainda mais preocupante nessa equação: a instrumentalização da política internacional para interferir na Justiça brasileira. Jair Bolsonaro é réu em múltiplos processos, o mais grave deles por arquitetar uma tentativa de golpe após sua derrota nas urnas. O parecer final do procurador-geral da República, Paulo Gonet, pedindo sua condenação, já foi enviado ao STF.
O especialista alerta sobre a situação: “Bolsonaro pode inclusive ter a prisão preventiva decretada porque está claro que ele estimula Eduardo Bolsonaro a intervir por ele”, e acrescenta: “Eduardo Bolsonaro também pode ter a prisão decretada a pedido da PGR”, completa.
O advogado sustenta que essa articulação pode configurar crime previsto no artigo 2º, parágrafo 1º da Lei 12.850/2013, que trata de organização criminosa. A lei pune quem impede ou embaraça investigação de infração penal que envolva esse tipo de grupo.
A narrativa do “Bolsonaro perseguido” serve não apenas para consumo interno da extrema direita, mas também para ativar apoios internacionais e até tentar negociar uma anistia. A articulação é clara: constranger o Judiciário brasileiro, insuflar as redes e apresentar o ex-presidente como vítima de um complô judicial: “O Jair Bolsonaro já usa esse argumento porque é mais fácil buscar uma saída política do que jurídica. A politização desse processo é a última trincheira para ele”, analisa Wallyson. Segundo ele, a estratégia seria pressionar por um possível perdão judicial ou até mesmo uma anistia, caminhos que só ganham força com apoio internacional.
Caminho antiético e perigoso
O resultado dessa ofensiva é duplamente prejudicial. Primeiro, para o país: ao se tornar alvo de sanções motivadas por disputas políticas externas, o Brasil corre o risco de ver sua soberania comercial e institucional ser colocada em xeque. Segundo, para a própria democracia: ao aceitar e estimular esse tipo de interferência, Bolsonaro e seus aliados reafirmam seu desprezo pelas regras do jogo democrático, preferindo conspirações internacionais e pressões externas a enfrentar as consequências de seus próprios atos.
De acordo com Wallyson Soares, caso se comprove que aliados de Bolsonaro tentam pressionar o Judiciário com apoio externo, isso pode configurar crime contra o Estado de Direito: “Quem tenta influenciar ou impedir o curso de uma investigação relacionada a organização criminosa incorre no crime de embaraço, conforme a legislação brasileira”, conclui.
O que está em curso é uma tentativa de transformar o Brasil em palco de uma nova guerra híbrida, onde política, economia e Justiça são manipuladas por lideranças autoritárias transnacionais. É fundamental que as instituições brasileiras, Congresso, STF, PGR, tenham consciência disso e resistam às pressões. E que a sociedade brasileira entenda o risco real de permitir que articulações como essa prosperem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário