sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Carta a um curitibaninho

Tudo, absolutamente tudo o que vemos se torna passado a partir do exato momento que presenciamos. Seu reflexo no espelho não é o presente, porque a luz percorreu milissegundos de sua imagem até lá e, sua bela imagem, mais alguns até você. A própria luz do sol traz o calor de oito minutos atrás.

É assim que revejo o garçom de tantos anos antes. Parece o mesmo, mas não é. Nada é mais igual.

Esta não é mais a minha Curitiba. Estes não são mais os meus amigos e, acima de tudo, este não sou mais eu.

Um ser nostálgico sempre será melancólico - e o inverso também, provavelmente, é real. Não foi a Curitiba friorenta que eu imaginava encontrar neste inverno, neste mundo cada vez mais louco. Fez calor na minha chegada. O casaco pesado, do Exército da República Islâmica do Irã, garantiu o vendedor, anos atrás, permanece na mala.

Mas o calor não vem só do clima. Vem do acelerado do coração, do pulsar de veias e artérias diante do mesmo que não é mais o mesmo. Do igual que não é mais igual. Do Underberg que rasga e embarga a garganta.

Foi aqui que nasceu meu filho, a razão de viver de qualquer pai. Foi aqui que surgiu minha única e mais valiosa herança para esse mundo tão louco, tão sem calor. E tanta coisa mudou, filho...

E tanto vai mudar em seu longo caminho...

Seu pai está ficando velho. E o tempo continua passando apressado.

Passou mais um tantão desde que comecei a traçar essas linhas. Mas nada, filho, nada faz passar meu amor por você.

Sua foto está em meu plano de fundo do celular. Outra, na tela de bloqueio. Porque, hoje, minha vida é você. Fico pensando se, aqui onde escrevo, você esteve comigo algum dia. Creio que não. E mesmo que houvera estado, não seria, como já disse, o mesmo lugar.
Mas o que seu pai puder fazer para te dar o mundo possível, farei. Em Curitiba, em Goiânia, em qualquer lugar que você quiser se aventurar.

Filho, você nasceu na cidade em que eu gostaria de viver. Mas você também pode escolher a sua, porque, antes, era Londrina minha cidade. O peso e a sabedoria dos anos.

Eu espero que você nunca precise, como essas crianças que vejo aqui nesse frio de oito graus tentando vender alguma coisa, se submeter a dificuldades da vida.

Ah, sim. O tempo virou e, agora, faz frio. O casaco da República Islâmica do Irã, ao contrário do que eu pensava, não veio - que falha a minha.

Estou passando um pouco de frio na sua cidade. É assim aqui, verão e inverno no mesmo dia.

É assim que a vida deve ser, filho. Com todas as possibilidades no mesmo instante. Que já não será exatamente o mesmo instante.

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