A mineira Eunice Farah era alegre. Muito alegre. Venceu uma
batalha contra um câncer de laringe, com sessões de quimioterapia e
bombas de medicamento, sem lamentar. Apaixonada pelo carnaval,
buscava conforto e alívio na música. Ecumênica, frequentava o
centro espírita às terças e, aos domingos, a igreja evangélica. A
fé de dona Eunice era na vida e nas pessoas. Aos 77 anos, deu
entrada no hospital com sintomas leves e não saiu mais.
Dona Eunice é uma das histórias dos mais de 7 mil brasileiros
que perderam a vida por causa do novo coronavírus até agora. O
Brasil tem a maior taxa de contágio por coronavírus do mundo,
segundo estudo do Imperial College de Londres.
O projeto Inumeráveis, lançado em 30 de abril, nasce
justamente com o intuito de reverter a lógica fria pela qual a
pandemia está sendo tratada no Brasil. Por trás dos números em
crescimento, por trás de falas e atitudes irresponsáveis de
governantes, estão histórias de milhares de brasileiros. O
Inumeráveis é dedicado à memória às vítimas do novo coronavírus
no Brasil. O memorial nasce com a missão de valorizar, em forma de
registros históricos, cada uma das vidas perdidas em função
da pandemia do coronavírus no Brasil.
A ideia do Inumeráveis é montar uma rede voluntária de
jornalistas, estudantes, escritores e contadores de história, de
Norte a Sul do país, para narrar as histórias de forma sensível,
pessoal e respeitosa às peculiaridades da vida de cada vítima,
estimulando um processo reconfortante. As contribuições serão
concentradas numa plataforma digital.
"O Inumeráveis nasce do incômodo em perceber que nas
tragédias humanitárias pela qual a humanidade passa, transformamos
as vidas perdidas apenas em números e estatísticas. Pandemias,
guerras, genocídios, desastres recentes como Brumadinho. Não
valorizamos, não registramos a vida, a história de cada única
pessoa que todos nós perdemos. Hoje temos tecnologia e um sistema
distribuído que pode colaborar para termos a ambição de registrar
100% das histórias, de cada pessoa" - explica Rogério
Oliveira, empreendedor social e um dos idealizadores do Inumeráveis.
A plataforma digital permite duas possibilidade de colaboração:
a) direcionada para jornalistas, estudantes de jornalismo e outros
profissionais que queiram reportar uma história;
b) e outra direcionada para familiares e amigos que gostariam de
prestar uma homenagem à vítima.
Os voluntários serão auxiliados pela plataforma moderadora
desenvolvida para captar de forma aberta e integradora os registros
de histórias já realizados.
Além do memorial digital, a ideia é materializar o Inumeráveis
por meio de uma instalação artística em local público e aberto ao
ar livre, assim cada nome das vidas perdidas terá também seu lugar
físico.
"Todos os dias ouvimos um novo número de pessoas que
morreram vítimas do coronavírus no Brasil. Só que números não
penetram o coração como histórias. Não há quem goste de ser
número. Gente merece existir em prosa" - explica Edson
Pavoni, artista plástico e um dos idealizadores do projeto.
Inumeráveis é uma obra do artista Edson Pavoni em colaboração
com Rogério Oliveira, Rogério Zé, Alana Rizzo, Guilherme Bullejos,
Giovana Madalosso, Jonathan Querubina e os jornalistas e voluntários
que continuamente adicionam histórias à este memorial.
Confira as histórias em
http://inumeraveis.com.br/