|
Dr. Malek Imad e equipe do hospital (F: Acervo pessoal) |
Nos primeiros momentos de pandemia no país, assim como no resto do
mundo, quando pouco se sabia sobre o coronavírus e seu comportamento
em relação ao nosso organismo, diversas avenidas de teste com
medicamentos e terapias foram exploradas. Quando se tem uma doença
tão destrutiva agindo de maneira rápida e sem controle é normal
que se considerem diferentes caminhos, como foi o caso da
hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina no começo de 2020.
“Conforme o tempo
foi passando, com novos dados e entidades sérias se posicionando
contra a eficácia destes medicamentos, como médico, não podia
responsavelmente indicá-los à pacientes já tão debilitados”,
comenta o doutor Malek Imad, especialista em medicina de Urgência e
Emergência, sobre a sua experiência administrando um dos hospitais
de campanha do Estado de São Paulo.
Apesar de ter sido
recomendado e até usado em alguns pacientes logo na chegada do
coronavírus, o chamado ‘kit covid’, não tem efeitos efetivos
contra a doença. A comunidade médica, incluindo a OMS, vem deixando
bem claro através de diversos pronunciamentos durante o último ano,
que a melhor maneira de evitar a contaminação é através do
isolamento, o uso de máscara e depois da sua criação, a vacina.
Claro, existem
estudos publicados a favor do uso destes medicamentos, porém, nenhum
deles traz um embasamento de pesquisa concreto. “Em qualquer estudo
científico, em especial no campo da medicina, existe uma ordem que
deve ser respeitada para ter resultados imparciais e corretos,”
explica Imad sobre a pesquisa feita pelo médico francês Didier
Raoult, publicada em março de 2020, usada por muitos que defendem o
uso do kit. “Mas, neste caso a metodologia foi desrespeitada e um
resultado obtido desta maneira não pode ser levado a sério,
principalmente quando falamos de vidas humanas.”
Desde então, Raoult
foi denunciado pela Sociedade de Patologia Infecciosa de Língua
Francesa (SPILF), por promoção indevida de medicamentos. Apesar
disso, de certa maneira, o estrago já havia sido feito. O estudo do
francês foi usado pela comunidade contra o isolamento e como arma
política em diversas ocasiões, e não só no Brasil.
“Depois que a
informação falsa se espalhou e caiu na boca do povo, tivemos de
lidar com uma situação delicada, tanto eu quanto minha equipe,
durante o atendimento no hospital de campanha,” conta o
especialista. “Muitas pessoas queriam de qualquer maneira,
pacientes e familiares, que eu prescrevesse o kit covid”,
acrescenta.
Imad compartilha
como teve que, além da dificuldade de cuidar de pacientes com uma
doença incurável, impedir que os pacientes sob o seu cuidado não
recebessem nenhum destes remédios como tratamento, e se manter firme
na decisão mesmo com uma forte pressão pública.
“Coisas das mais
diversas aconteceram nesse período,” relembra. “Tivemos brigas
da equipe com pessoas que queriam o tratamento precoce, visitantes
levando o kit covid escondido para os internados, e houve até um
protesto fora do hospital para que implementássemos os medicamentos
no tratamento.”
Mesmo com ações
por vezes hostis, para o médico a população não deve ser culpada.
“Estamos falando de um momento de extremo medo e apreensão num
âmbito mundial, lidando com uma doença devastadora. No final, a
responsabilidade de acalmar as pessoas e fazer com que a informação
correta chegue a elas é da política pública”, pontua o
especialista.
Devido a falta de
informação, e ainda a própria desinformação, o mito do
tratamento precoce permanece até hoje, mesmo com a chegada da
vacina. Imad destaca que esses remédios não são ineficazes sempre,
como a hidroxicloroquina que é essencial no tratamento da lúpus.
“Eles só são realmente vazios contra o coronavírus. Além de
serem medicamentos de ação forte, que podem afetar o fígado e o
coração, deixando sequelas desnecessárias.”
Mesmo com reações
adversas, doutor Malek Imad conseguiu seguir com seu plano de
tratamento baseado em dados científicos, assim como uma medicina
humanizada. “Apesar das dificuldades, tenho muito orgulho de meu
trabalho no hospital de campanha. Acredito que minha decisão ajudou
muito a comunidade de que fiz parte durante aquele período, e
reforço que no momento, a única via que temos contra a doença é a
vacina,” finaliza.